Os mortos e os vivos
Só nestas cinco semanas do ano, o Brasil viu morrerem três grandes artistas do palco e do cinema: Maria Della Costa, Vanja Orico e Odete Lara.
Normal, todas elas tinham mais de 80 anos, e não existe isso de que a vida das pessoas se prolonga, como insistem alguns escrevinhadores de textos pseudo-científicos em jornais ditos “inteligentes”. A vida não é inesgotável. Todos a deixam uma hora ou outra. Isso é a regra absoluta da qual não há escapatória – apesar de hoje em dia uma porção de oportunistas quererem processar médicos e hospitais pela morte de bebês que nasceram com defeitos congênitos.
Se há uma redução de mortes por conta de enfermidades contraídas por problemas da falta de saneamento básico, por outro lado há um aumento de mortes violentas – tráfico de drogas, terrorismo, balas perdidas, acidentes de carros.
O que me chamou a atenção, porém, foi o fato de que essas atrizes eram pessoas de quem eu lembrava rosto, voz, e, sobretudo, atuação, bem diferente do que ocorre com essa geração de atores e atrizes que saltam à fama com um único papel interpretado, por conta de todo o marketing que envolve a apresentação.
No ano passado, quando morreu um amigo de meu irmão, comentamos que já estamos na fase da vida em que é mais importante contabilizar os amigos mortos do que os conhecidos vivos.
No início deste ano, comunicaram-me o fim do sofrimento de uma antiga amiga, desde os tempos de cursinho (há mais de 40 anos) até a vida adulta. Minha reação foi simples: que bom para ela, que deixou de ter de ser atendida em emergências, que tinha de se submeter a dolorosas e incômodas terapias, que no final não resultaram em nada, exceto, talvez, deixar mais experimentadas psicològicamente as pessoas mais próximas.
Frio? Indiferente? Acho que não. Apenas não vejo a morte como algo amedrontador. É o único ponto ao que todos os seres chegam, independentemente de espécie, gênero, cor, idade, peso. O que vem dali em diante não sabemos e talvez não nos caiba descobrir.
Apenas tenho a certeza de que em minhas memórias vejo os mortos todos que conheci – parentes, antigos vizinhos, professores, colegas de escola ou trabalho – com mais detalhes e mais “brilho” do que as inúmeras pessoas “vivas” que cruzam as ruas com seus iPhones e outros objetos que delas retiram a interação. Esses seres “vivos” não fazem parte de minha vida, não entram em minhas memórias.
Escrito
em terça-feira, 3 dezembro 2013